Encontro Inusitado: Ciência, Religião e Coincidência
Hoje aconteceu-me algo deveras curioso. Estava eu lendo jornal na sala qd ouvi alguém bater palma no portão. Fui atender e olhando por uma janelinha do muro perguntei o que o cidadão desejava. Ele disse:
-O senhor podeira abrir o portão para a gente conversar
-E por acaso do que se trata - disse eu
-É sobre a bíblia
-Obrigado mas eu não tenho interesse.
-O sr não tem religião?
-Não
-Mas o sr acredita em Deus?
-Também não
-Mas em que o sr acredita?
-Eu acredito na ciência.
-O sr é um cientista?...
-Sou médico
-Que bacana, eu sou físico
Neste momento lembrei-me das palavras do meu pai e pensei que talvez valesse a pena ouvir algo que viesse desse cara, sem compromisso. Físico carola era novidade pra mim.
Abri o portão e comecei a conversar o sujeito de + ou - 1,60 camisa de cobrador de ônibus e um lindo bigode.
Nos apresentamos e em dois segundos esqueci o seu nome, lógico, na verdade acho que nem cheguei a ouvir ou ao menos nem prestei atenção.
Começamos a conversar e ele me disse:
-Como pode um médico não acreditar em Deus?
Então eu disse: -Pois eu só abri o portão justamente para perguntar-lhe como é que pode um físico ACREDITAR em Deus?
Ele deu risada e realmente não levou a mal a minha pergunta, pq se começasse a se comportar como um fanático incapaz de conversar ia ganhar uma bela porta no nariz.... Resolvi retribuir a atitude e olhar para aquele ser vestido de trabalhador do transporte público com menos preconceito do que o habitual.
Esqueci de dizer que o nosso missionário estava acompanhado de um indivíduo de mais ou menos 1,90, facies de polaco cortador de cana do Paraná e talvez por ser tão desinteressante e visivelmente menos culto e com pior oratória nem lhe dei muita atenção. Mais tarde viria eu a descobrir que seu nome era José Carlos.
Continuamos eu e o cobrador de ônibus a conversar, ele me contou que se formou em São Carlos, contei-lhe que sou ex-estudante de engenharia, falamos sobre ciência, medicina, religião, doação de sangue, entre muitos outros.... Ele, com um conhecimento impressionante do pequeno livro preto em suas mãos e com uma rapidez para encontrar textos no livro relacionados ao assunto sobre o qual versávamos muito maior do que a minha velocidade para achar o "A" no dicionário, tentava sempre me trazer para o caminho da salvação.
Percebendo que o pequeno pregador me chamava pelo nome a todo instante resolvi, por educação perguntar-lhe:
-Me desculpe, mas eu esqueci o nemo do sr?
Qual não foi minha confusão qd ele me respondeu:
-Sinézio.
Revirando o imenso baú da memória e viajando por volta de oito anos atrás cheguei ao seguinte pensamento: Os únicos seres humanos que conheço com esse nome são a excelentíssima dona Sinézia, mãe do Paraguai, e um antigo professor de termodinâmica dos tempos de EQ.
-O sr disse que é físico?...
-Sim
-Por acaso já deu aula na Unicamp?
-Sim sou professor.
-Acho que fui seu aluno.
-Vc fez EQ?
-Sim
Não acreditava, o velho Sinézio virou crente desses que nos acordam aos fins de semana qd queremos dormir até mais tarde. Conversamos mais um pouco e então dispensei-lhe pq já tava chegando a hora do almoço. Mas foi uma manhã de sábado bem diferente das habituais, no mínimo interessante. E aprendi uma lição.
Calma, não virei testemunha de Jeová. Nem mesmo ele me convenceu de acreditar em Deus.
A lição que eu aprendi é que sendo menos preconceituoso e ao invés de conversar pela janelinha eu abrir o portão, não necessariamente minha vida vai mudar mas posso ao menos ter uma boa conversa num sábado de manhã.
Abraços saudosos, Julio.
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